MERGULHO...

De onde vem tanta tristeza? De onde vêm tanto sofrimento e dor?

De fora? Será que vêm de um agente externo, fruto de um objeto, ou, quem sabe, de um medicamento.

No entanto, este agente externo seria capaz de exprimir em profundidade toda angústia, todo o vazio, todo o nada que cresce em mim? Creio que não...

Talvez esse sofrer venha de um desejo não satisfeito ou de um sentimento de culpa, de um desejo de autopunição, quem sabe?

Se tudo é possibilidade e nada é resposta, posso cogitar todas as respostas ao mesmo tempo, como um turbilhão de motivos que geram uma prisão mais forte do que a dos titãs.

Assim como o nada também é uma resposta possível...

Sinceramente não sei...

Escrevo sem pensar

Escrevo sem alma

Escrevo na tentativa de ocupar o vazio ou adiá-lo.

Até a solidão do gélido e sombrio quarto,

até o abandono do escuro,

até a angústia que cresce até sufocar.

Mas lá na solidão, no abandono, na angústia, estou diante de mim e de meu vazio.

Do vazio e da possibilidade de mergulha dentro de mim.

Escrevo por pensar demais

Escrevo com sangue

Pois manifesto a luminosidade presente no abandono, na solidão e na angústia

Encontro minha humanidade, minha finitude

E encontro a dor que me é a prova que estou vivo.

Provo o sabor de minha alma...

Escrevo por escrever

Escrevo com minha alma

Esta é a prova cabal da verdade que habita em mim.

Se me sinto vazio, abandonado, angustiado

É porque antes eu fora cheio, preenchido, acompanhado, visitado e confortado

Se cheio, logo feliz.

Se feliz, cheio de verdade,

se cheio de verdade, cheio de paz

Se sozinho, abandonado, angustiado, logo porque fugi.

Fugi de quem? se não de Deus, de seu amor e misericórdia

Existe algo mais aterrorizante para um pecador, para alguém perdido

do que um olhar que nos conhece e sempre é misericordioso?

Não consigo pensar em mais nada...

Fujo para a justiça divina

Pois a dor o sofrimento, o flagelo e a até a morte são a continuidade do que a alma padece por dentro.

Ver o corpo sofrer é trazer pra fora, para ver melhor, o que se sofre por dentro.

Sofrer mais é o regozijo da culpa, e também da vingança interna de quem se perdeu de si, se perdeu do sentido, se perdeu da verdade

Uma vez que abandonei a verdade, me alegro em meu sadismo autodestrutivo,

porque se não me alegro no amor, deixai-me sofrer pela dor, ou pela destruição da imagem deformada de mim.

Essa loucura conserva o desejo de mudança e de aniquilação do que nos tornamos, pena que é pela destruição e não pela transformação.

Talvez a resposta seja a fuga de si mesmo...

E como consequência, tento sufocar o sopro de vida

As perguntas e as lembranças me consomem

- como você se tornou isso?

- por que agiu assim?

- sou isso...

- sou aquilo...

E sempre negativo, ruim,

Sem levar em conta que sou livre, capaz de tudo

Nunca penso assim: se sou capaz de me destruir, por que não de me transformar? Por que não de ser livre?

Não olhamos mais nos olhos

Nada prende a atenção

Se não tenho vida, nada mais tem vida

Se fujo de mim, nada está no lugar

Tudo é fora, longe, deformado, estranho

Ex-cêntrico

Só vejo a mim E o que fiz de mim

Me prendo na ilusão do pensar

- eu poderia ter dito isso

- eu seria assim hoje caso tivesse lembrado disso

- eu estaria em outra situação

- eu permaneceria feliz

Projeto o que seria nos outros

E todos ficam mais distantes de mim

ELES SÃO O QUE NÃO CONSIGO SER

Às vezes invejoso, preso na ilusão

Concluo que ele é bom, eu mau

Ele é belo, eu feio

Ele consegue, eu fracasso

Ele é feliz, eu triste

Como se só existissem dois tipos de pessoas no mundo

Quando não sou invejoso, sou arrogante

E se antes, me isolava dos outros para os proteger de minha maldade,

Como um ato heroico de minha falsa bondade

Agora os afasto de mim, pois ninguém é capaz de compreender o que sinto, o que vejo, o que penso, quem eu sou...

Se antes pensava: deixai-me sozinho, pois não podem se contaminar com minha maldade, com meus pecados e dores.

Agora eu grito: afastai-vos de mim! Nunca me compreendereis!

Caio na ilusão de quem ninguém sofre, e me apego a dor, ao abandono.

Ah se me encontrasse!

Tudo faria sentido...

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